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QUANDO ALGUÉM QUE VOCÊ CONHECE É VÍTIMA DE FEMINICÍDIO

Por Alice Bianchini

 
Conheci Celina Moura Mascarenhas Gama na Livraria Cultura. Ela queria um Brasil ético e compareceu no lançamento do livro “O jogo sujo da corrupção”, de Luiz Flávio Gomes. Nesse dia ela me falou que tinha sido minha aluna em uma pós virtual, dos planos de ser magistrada, do amor pelo seu filho e de seu problema: desentendimentos com o ex-marido. Falamos muito da violência psicológica e do quanto as mulheres não se dão conta de que são vítimas dela. Terminamos a conversa com um conselho que sempre dou por aí: “estude todo o tempo que puderes; o tempo vai passar de qualquer jeito, melhor que passe contigo estando preparada para um concurso do que sem ter feito nada para alcançar aquilo que você deseja.” Ela riu e saiu com compromisso de organizar a sua vida para voltar a estudar. Nos vimos depois disso outras vezes na Paulista, nas manifestações do movimento #QueroUmBrasilEtico. Numa delas ela apresentou, com muito orgulho e alegria, o filho, que na segunda-feira (21/08) presenciou, com 7 anos de idade, a mãe morta com dois tiros na cabeça disparados pelo seu pai, Maurício de Oliveira Gama, com quem Celina estava separada há cerca de 1 ano. O crime aconteceu na casa de Celina e do filho.
Fiquei sabendo do crime hoje, 23/08, quando abro a Folha de S.Paulo e vou direto ver a matéria sobre feminicídio, pois eu havia sido entrevistada sobre o assunto. Na terceira página da reportagem estava a foto de Celina, ao lado de outras 3 vítimas. Na hora não me dei conta de que era ela, até que recebi uma ligação do pessoal do movimento dando a noticia. Terminei de ler a matéria, e à sensação de indignação, de revolta que sempre me assola quando leio matérias sobre feminicídio, juntou-se a de dor. Por um momento fiquei atônica, anestesiada, senti-me impotente. No segundo momento reagi, resolvi escrever esse texto e pedir para todos que estão lendo que falem, que conversem com seus colegas, amigos e parentes sobre feminicídio. Que conversem com ex-casais que não colocaram um ponto final tranquilo na antiga relação.
Converse com os homens que você conhece e que não aceitaram o fim do relacionamento ou as consequências do término dele (guarda dos filhos, pensão alimentícia, partilha, etc.). As estatísticas mostram que há um percentual enorme de morte de mulheres por pessoas com quem elas tiveram um relacionamento amoroso (ex-marido, ex-noivo, ex-namorado).
Converse também com as mulheres. Levantamento feito no presente ano pelo DataSenado com mulheres vítimas de violência mostra que 72% delas permaneceu no relacionamento violento por medo de vingança do agressor. E aí mora o perigo, pois a residência tem sido o principal local de morte de mulheres. E falando em perigo, o risco de morte da mulher aumenta também na hipótese de rompimento da relação. Ou seja, é ariscado ficar e é arriscado sair. Dá para perceber o tamanho do risco de ser mulher? Celina entrou para as estatísticas.
Consta na reportagem que na delegacia o filho disse que ao ver mãe caída no chão após os disparos perguntou o que tinha acontecido e ouviu do pai: “Isso aqui é para a sua mãe descansar um pouco.” Celina se foi, mas nós não descansaremos. Nossa luta é para que em breve o Brasil deixe de figurar na vergonhosa posição de 5º país em número de homicídios de mulheres; nossa luta é para que as mulheres possam se sentir livres para decidir romper um relacionamento sem que isso represente um risco à sua integridade física, psicológica e até à sua vida; nossa luta é pelo direito das mulheres.
Celina era otimista. Ela escreveu em 27.7 em seu face “E dentro de tudo que venho passando, posso dizer apenas que: não esperem enxergar a vida apenas com os olhos da maldade, mudem-se antes. Bom dia, amigos!”

 

 

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