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Veja publicação original: 11 anos da lei Maria da Penha a violência segue real e escancarada
Por Iaci Maria
Após 11 anos de vigência da Lei Maria da Penha, a realidade da violência contra a mulher ainda é assustadora. Um breve exemplo disso é o recente e escandaloso assassinato de Mayara Amaral no final de julho.
Veja também a carta do grupo Pão e Rosas à irmã de Mayara: Para Pauliane Amaral, irmã de Mayara: foi feminicídio, sim!
Não bastasse a violência cotidiana, nos assédios, agressões, estupros e assassinatos, as mulheres também convivem com a violência da dupla ou tripla jornada de trabalho, os salários mais baixos, ocupam os postos de trabalho mais precários. Além disso, vivemos um momento onde o governo golpista vem fazendo todos os esforços para aprovar suas reformas que atacam os direitos dos trabalhadores, os fazendo pagar pela crise, e afetam profundamente as mulheres, como a reforma trabalhista, que é um enorme retrocessos e um verdadeiro ataque até mesmo às mulheres grávidas.
Na luta tanto pelo fim da violência contra a mulher, como pela anulação da Reforma Trabalhista, é preciso nos inspirarmos na luta das mulheres trabalhadoras da PepsiCo da Argentina, que ocuparam a fábrica e e as ruas bravamente em defesa de seus emprego, mas também já se organizavam anteriormente e mobilizaram seus companheiros de fábrica homens para paralisar tudo contra a violência de gênero e em defesa dos direitos das mulheres. Essas mulheres inspiradoras, junto a seus companheiros de trabalho homens, foram capazes de fazer o governo argentino recuar na proposta de reforma trabalhista.
É cada dia mais urgente que nos organizemos ao lado de cada trabalhadora e trabalhador, cada jovem, para transformar nossa revolta em luta. Fazer dessa luta uma grande batalha pela construção de um novo mundo, pelo emancipação das mulheres e de cada explorado e oprimido.
Nesse 11º aniversário da Lei Maria da Penha, reproduzimos abaixo um estudo feito sobre a lei, seus avanços e quais mudanças trouxeram para as mulheres no Brasil, originalmente publicado aqui:
Há 10 anos da Lei Maria da Penha, o que mudou para as mulheres no Brasil?
A introdução da lei é uma boa síntese de quais os objetivos atribuídos à lei quando foi criada:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.
Aqui buscamos entender um pouco mais da lei e da realidade da violência contra a mulher no Brasil.
Por que “Maria da Penha”?
Maria da Penha se casou na década de 70, quando o divórcio era um grande tabu. Seu marido, que desde o início era muito violento com ela e suas filhas, tentou assassiná-la com um tiro nas costas enquanto ela dormia. Mas ela não morreu. Ficou meses internada e perdeu os movimentos das pernas. Ele a convenceu de que haviam entrado na casa em que moravam para uma tentativa de assalto e assim ela foi atingida pelo tiro. Após sair no hospital, ele revelou que o plano dele era matá-la e a manteve em cárcere privado. Tentou eletrocutá-la no chuveiro. Ela percebeu antes e fugiu com as filhas. Denunciou o marido e ele não soube sustentar sua versão sobre o assalto. Mas foi apenas depois de 19 anos e apelações à órgãos internacionais que a justiça foi feita e ele foi preso.
Após isso, foi criada 11.340, que leva o nome de Lei Maria da Penha, em homenagem à vítima desse emblemático caso, que não se calou e buscou justiça incansavelmente por duas décadas.
Qual a realidade da violência contra a mulher no Brasil?
O Mapa da Violência de 2015 foi todo focado no debate sobre a violência contra a mulher. Isso já mostra como esse tema é urgente e é preciso falar sobre isso. Segundo o documento, é ainda muito difícil reunir informações completas, que estejam o mais próximo da realidade possível, pois as estatísticas da polícia e do judiciário a respeito de assassinatos não trazem o sexo da vítima. Além disso, sabemos que centenas de mulheres não denunciam a violência sofrida por medo do agressor e até mesmo, em muitas situações, são desencorajadas pela própria polícia a dar seguimento à denúncia.
O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking de índice de violência contra a mulher, ficando atrás apenas de El Salvador, Colômbia, Guatemala e Rússia. Estimasse que aqui ocorrem 13 assassinatos de mulheres por dia. Também há pesquisas que apontam que 3 em cada 5 mulheres já sofreram violência doméstica. As denúncias feitas através do número 180, central de atendimento específica para receber denúncias de violência de gênero, giram em torno de uma a cada 7 minutos. Além disso, cerca de 50% das mortes violentas de mulheres são cometidas por familiares, sendo 33,2% por parceiros ou ex-parceiros.
Mas a violência contra a mulher não é de hoje. Pelos registros do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), entre 1980 e 2013 (as informações mais recentes constam deste ano), 106.093 mulheres morreram vítimas de homicídio. Infelizmente, esse número se deu em um contínuo crescente, sendo que foram 1.353 mulheres em 1980 e 4.762 em 2013, sendo esse um aumento de 252%. Em taxa de vítimas por 100 mil habitantes, em 1980 a média foi de 2,3 vítimas por 100 mil, passando para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1%. Se fizer a divisão entre o período anterior a Lei e o período de 2006 à 2013, temos que de 1980 à 2006 a taxa de crescimento de homicídios de mulheres era de 7,6% ao ano. Já no período de 2006 à 2013, período de vigência da lei, essa mesma taxa cai para 2,6% ao ano. Ou seja, cai o índice de crescimento de feminicídios, mas não o índice de feminicídios em si, pois esse segue crescendo, mas em menor velocidade do que no período anterior à vigência da Lei.
A tabela abaixo mostra a evolução da taxa de feminicído por 100 mil habitantes entre o período entre 2003 e 2013. Nota-se que logo após 2006, quando a Lei entra em vigor, houve uma queda significativa, mas que a partir de 2008 a taxa seguiu crescendo, superando o período anterior à Lei.
A violência que tem gênero também tem cor
A população negra é a principal vítima de homicídios no país, sendo que a taxa de homicídios de brancos tende a cair, enquanto de negros tende a aumentar. Se tratarmos especificamente do feminicídio, o número de assassinatos de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas em 2003, para 1.576 em 2013, uma queda de 9,8%. Já o assassinato de mulheres negras aumentou 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas. No período de vigência da Lei, entre 2006 e 2013, a realidade é a mesma: o número de vítimas brancas cai 2,1% e aumenta 35% entre as negras.
Se buscamos esse índice em feminicídios a cada 100 mil habitantes, as taxas entre mulheres brancas caíram 11,9%, passando de 3,6 por 100 mil brancas em 2003, para 3,2 em 2013. Fazendo o movimento no sentido contrário, as taxas das mulheres negras cresceram 19,5%, passando de 4,5 em 2003 para 5,4 por 100 mil em 2013. Vendo de outra maneira, temos que em 2003 morriam assassinadas 22,9% mais negras do que brancas e, em 2013, esse número chegou a 66,7%.
Ou seja, se buscamos ver a evolução da taxa de feminicídio por 100 mil habitantes separando os assassinatos de mulheres brancas e negras, nota-se que a Lei Maria da Penha alcançou sim alguns resultados para as mulheres brancas – um fraco resultado, apenas a estabilização do índice, sem nenhuma queda significativa – mas, para a população feminina negra, o índice de violência só aumentou.
Para além desses números de feminicídios, uma análise das denúncias de violência contra a mulher nos primeiros dez meses de 2015 mostram que 49,82% corresponderam a denúncias de violência física, 30,4% de violência psicológica, 7,33% de violência moral, 2,19% de violência patrimonial, 4,86% de violência sexual, 1,76% de cárcere privado e 0,53% envolvendo tráfico. Além disso, um estudo realizado pelos institutos Vladimir Herzog e Patrícia Galvão chegaram a que 90% das mulheres entre 14 e 24 anos deixaram de fazer alguma coisa por medo da violência, como usar determinadas roupas e frequentar espaços públicos; e 77% acham que o machismo afetou seu desenvolvimento.
Como dar uma saída real para a luta contra a violência de gênero?
O homicídio, junto com o estupro, é o “último elo” de uma enorme cadeia de violência contra as mulheres que se legitima e reproduz desde o Estado e suas instituições. A Lei Maria da Penha, como mostramos nos dados acima, foi insuficiente para lidar com o problema da violência de gênero no país. Agora estamos em meio a um governo golpista de Temer, que teve como uma das primeiras ações extinguir a Secretaria de Igualdade de Gênero, o que só deve piorar a situação de violência a qual as mulheres estão sujeitas diariamente, já que um efeito imediato é extinguir também os recursos destinados a este tema. Vemos agora frente ao caso de Feliciano que essa direita golpista não apenas não tem interesse em combater a violência, como ela própria é perpetuadora da violência, culpabilizando e processando a vítima da violência e protegendo o agressor.
Dentro da esquerda diversas organizações limitam seu combate à violência às mulheres incentivando apenas que as mulheres não se calem e denunciem discando 180. Mas as mulheres que sofrem agressões sabem que a polícia não tem interesse em ajudá-las. Uma pesquisa feita pelo próprio Senado mostra a consciência dessa impunidade: 30% das mulheres disseram acreditar que as leis do país não são capazes de protegê-las da violência doméstica. Para 23,3%, muitas vítimas não denunciam os companheiros à polícia por prever que não será feita justiça. Então, frequentemente a denúncia apenas piora sua situação, pois a mulher denuncia e volta para casa e, o agressor ao saber que está sendo indiciados, se tornará ainda mais agressivo. E assim o Estado burguês lava as mãos e deixa essas mulheres à mercê de seus agressores, o que frequentemente leva ao feminicídio.
Como desenvolveu Diana Assunção aqui, para levar a luta adiante, é necessária uma forte mobilização das mulheres, trabalhadoras e trabalhadores e de toda juventude. É preciso ter um plano de emergência que responda a situação imediata das mulheres e que essa questão seja tomada pelos sindicatos, entidades estudantis, de direitos humanos, associações populares etc., para construirmos campanhas e ações concretas de luta contra a violência às mulheres. O Estado capitalista é responsável por perpetuar essa situação, e a luta para acabar com a violência contra as mulheres passa por lutar pelo seu fim. Esse plano emergencial passa por exigir a construção imediata de casas-abrigo emergenciais para mulheres em situação de violência, e um plano de moradias a curto prazo para que não sejam obrigadas a viver com seus agressores; por subsídio estatal e licenças trabalhistas para as mulheres vítimas de violência; pela criação e coordenação de equipes interdisciplinares para prevenção, atendimento e assistência a mulheres vítimas de violência. Tudo isso baseado na criação de impostos progressivos às grandes fortunas e fim do pagamento da dívida pública para custeio dessas medidas.
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