Saiu no site REVISTA COSMOPOLITAN:
Veja publicação original: Mulheres no poder: conheça a trajetória de políticas brasileiras
Não faz nem 100 anos que as mulheres fazem parte da política no Brasil — só conquistamos o direito de votar e nos candidatar a cargos nacionalmente em 1933. A primeira, Alzira Soriano, se elegeu um pouco antes graças a uma lei estadual do Rio Grande do Norte que deu possibilidade para as mulheres votarem em 1928. Ela venceu a corrida à prefeitura da cidade de Lajes. De lá para cá, pouco mudou. Hoje, se somarmos todos os políticos do Brasil, ficamos no preocupante 115º lugar no ranking mundial de presença feminina no Parlamento, de acordo com estudo do Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI).
A análise, feita nas eleições de 2014 e 2016, revelou que somente 14% do Senado brasileiro é composto de mulheres, enquanto entre as candidatas a deputadas federais, estaduais e vereadoras a média de não eleitas está acima de 90%. A política do país reflete o machismo da sociedade. A revista CLAUDIAlevou ao Congresso um dossiê para mostrar a reforma que as mulheres querem em várias áreas da vida, inclusive a política. Afinal, esse também é um lugar que podemos (e devemos) ocupar.
Claro que não é fácil: as mulheres que decidem enveredar por esse campo enfrentam desde a falta de banheiros femininos em algumas assembleias até horários que não fazem sentido para quem é mãe. Isso sem contar com as dificuldades de trabalhar lado a lado, discutir com homens poderosos e, muitas vezes, machistas. A seguir, quatro políticas brasileiras dão seu depoimento.
Manuela D’ávila, 35 anos
Deputada estadual do Rio Grande do Sul (PCdoB)
“Comecei na política quando entrei para o Centro Acadêmico e para a União Nacional dos Estudantes (UNE). Na época pensava em ser professora universitária. Quando decidi concorrer ao cargo de vereadora, o intuito era abrir um debate sobre jovens na política — acabei sendo a vereadora mais jovem da história de Porto Alegre, em 2004. Foi aí que comecei a enxergar realmente o preconceito que existe contra a mulher no meio. A estética é vinculada à juventude, mas a inteligência é questionada. Ao longo dos anos também vivenciei a questão da maternidade. Me dei conta de que toda a rotina no Parlamento é feita para homens. Para eles, uma reunião ao meio-dia não tem problema, não buscam as crianças na escola. E muitos questionaram o fato de eu trazer minha filha para o trabalho. Se eu amamento, não posso fazer isso em assembleia. Se eu saio da licença e venho trabalhar, todos questionam. Claro que as coisas mudaram desde que comecei, hoje dou entrevistas, sou vista de outra maneira. Antes me perguntavam como me sentia sendo a musa do Congresso, e quando eu respondia que não estava me elegendo para isso escutava que era antipática. Mas as pessoas às vezes cobram da mulher atitudes iguais às que são tomadas pelos homens. Não quero me igualar com quem não pensa na família, na responsabilidade que isso gera.”
Simone Tebet, 47 anos
Senadora pelo Mato Grosso do Sul (PMDB)
“Sou filha de político e vivi minha adolescência justamente no momento da retomada da democracia. Depois de formada, dei aula de direito público durante 12 anos. Meus alunos e as pessoas ao redor começaram a dizer que eu deveria entrar para a política. Quando vi, tinha aceitado o desafio de estar nesse mundo, que ainda é muito masculino e machista. A mulher tem dificuldade de se eleger e, depois de eleita, de mostrar sua competência, sua força. Para ser considerada uma boa senadora, tão boa quanto um senador, tem que ser melhor só para ser colocada no mesmo nível. Percebi nos últimos anos que a máxima de que mulher não vota em mulher caiu. Vi que a mulher quer participar não só diretamente como indiretamente. Somos consideradas, inclusive, mais honestas, mais compromissadas com questões sociais e mais responsáveis. Não me engajei, no começo da carreira, na causa feminista, mas sempre defendi a participação da mulher nesse meio. Acho que o Brasil não será o que queremos enquanto não houver, pelo menos, 30% de mulheres na política. Hoje nós temos pouco mais de 10%. E precisamos disso porque a mulher não pensa só no crescimento do país, mas no desenvolvimento do cidadão também. A luta da mulher por seus direitos ganhou corpo, voz e aliados inclusive masculinos. É um avanço.”
Sâmia Bomfim, 27 anos
Vereadora de São Paulo (PSOL)
“Tudo começou quando fui fazer letras na USP e era parte do Centro Acadêmico e do diretório da universidade. Em 2011, me envolvi com o feminismo, participei de protestos pró-aborto. Quando quis concorrer nas eleições, foi meio surpreendente — a campanha tinha poucos recursos e foi feita através da internet e panfletagem. Enfrentei dificuldades, fui subjugada, percebi que não prestam atenção no que você diz por ser mulher. No próprio movimento estudantil fui questionada. Aqui, na Câmara Municipal de São Paulo, é pior. Somos 11 mulheres eleitas, com 55 cadeiras ao todo. Nossas pautas são constantemente desvalorizadas. Vai desde o machismo mais sutil, de não prestarem atenção quando você fala, te chamar de bonitinha — e quando se é incisiva falam que você é brava, louca —, até o machismo explícito: olham sua roupa, comentam seu batom. É assim que o assédio acontece aqui. Todo ambiente de trabalho tem isso, e na política não seria diferente. Lugares de poder não são vistos como lugares para a mulher. Mas estamos conquistando espaços que não conquistávamos antes simplesmente por falar disso. A política é feita para colocar medo nas mulheres, mas nós temos mostrado que temos força. Não precisamos ter medo de estarmos juntas. É importante pra mim ver que represento alguém, que ajudo outras mulheres.”
Mara Gabrilli, 49 anos
Deputada federal de São Paulo (PSDB)
“Antes de quebrar o pescoço, estudei publicidade e psicologia. Depois do meu acidente, fundei o Instituto Mara Gabrilli com o objetivo de ajudar a melhorar a qualidade de vida das pessoas com deficiência. Um dia minha mãe disse que eu deveria me candidatar. Na época, não levei isso adiante. Depois me senti limitada, a demanda no Instituto era grande e eu não conseguia fazer tudo que desejava. Me deu um desejo de contribuir mais com a melhoria da cidade. Sinto que a mulher tem talento para a política e muitas vezes não sabe. Se o Parlamento fosse 50% feminino, o Brasil estaria melhor. Mas, talvez, se eu soubesse como é difícil se eleger, nem teria tentando. Não fui eleita de primeira, fiquei como suplente. Escrevi um projeto para criar a Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. Mais tarde, José Serra, na época prefeito, me convidou para ser a secretária. Muitas coisas mudaram com a minha passagem por ali. São Paulo passou de 300 ônibus acessíveis para 3 500. Depois fui a primeira vereadora cadeirante. Sinto que respeitam minhas ideias e o que falo. Mas, como deficiente, é preciso vencer obstáculos. A lei da reforma trabalhista, por exemplo, exclui a cota para deficientes, o que faz com que pessoas com essas condições não consigam emprego. Meu trabalho agora é para defender uma voz que poucos têm.”