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Veja publicação original: Bahia condena 2º caso de feminicídio, mas estatísticas nacionais sobre a Lei ainda são escassas
A Bahia está entre os estados que mais matam mulheres no Brasil, de acordo com o Mapa da Violência de 2015. Porém, desde que a lei federal do feminicídio foi criada, há 2 anos, apenas 2 casos foram julgados no estado.
A mais recente condenação aconteceu na última quinta-feira (13), em júri presidido pela juíza Sirlei Caroline Santos.
Um homem foi condenado a 21 anos, nove meses e 15 dias de prisão, pelo assassinato de sua companheira, na cidade de Montesanto, interior do estado.
De acordo com informações do jornal local Correio, o homem fugiu após o crime. A vítima chegou a ser socorrida por vizinhos e foi encaminhada para o hospital, mas já chegou sem vida.
Ao Correio, testemunhas afirmaram que a mulher havia decidido se separar do companheiro, ele não aceitou a decisão e o casal enfrentou uma briga. Esse teria sido o motivo que culminou na morte da vítima.
O crime ocorreu em maio de 2016 e foi praticado na frente dos cinco filhos do casal. Entre eles, quatro eram menores de idade.
A primeira condenação pela lei do feminicídio na Bahia aconteceu em Salvador, em maio deste ano. Um rodoviário foi condenado a mais de 20 anos de prisão por matar a namorada na capital.
De janeiro a maio de 2017, 15.751 mulheres foram alvo de violência no estado, de acordo com levantamento Secretaria de Segurança Pública (SSP). Apesar do alto índice, a SSP da Bahia alega que nenhuma mulher foi vítima de feminicídio este ano.
Porém, os dados foram contestados pela promotora de Justiça Márcia Teixeira, coordenadora do Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos (CAODH), do Ministério Pública do Estado (MP-BA).
A promotora argumenta que o posicionamento da SSP é resultado de um sistema patriarcal que impede que os policiais reflitam sobre a tipificação dos crimes.
“Ou isso é um caso de desinformação, o que eu não acredito que seja porque vem se falando sobre isso o tempo todo, ou é uma questão relacionada ao sistema patriarcal que não permite que os profissionais da polícia reflitam sobre o assunto e contexto da lei”, argumenta.
Segundo o Correio, os dados da SSP desconsideram crimes como a morte de uma estudante de 15 anos, assassinada pelo ex-namorado em abril, e de uma jovem morta pelo seu companheiro no mês de março.
Só no jornal, pelo menos outros 9 casos de mortes de mulheres tendo como o principal suspeitos seus companheiros foram noticiados nos primeiros meses de 2017.
Para o delegado José Bezerra, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil (DHPP),o assassinato de mulheres por homens que não aceitam o fim do relacionamento não se caracteriza como feminicídio, já que o crime pode não ter ocorrido em âmbito doméstico.
“Vejo como no sentido em que se deu um desequilíbrio por parte do companheiro em não saber lidar com o sentimento de perda, isso não quer dizer que ele odeie mulher”, argumenta em entrevista ao Correio.
Feminicídios no Brasil
A dificuldade em encontrar estatísticas para o feminicídio não é um caso isolado da Bahia.
A lei de 2015 alterou o código penal para incluir outra modalidade de homicídio qualificado quando crime for praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino.
Mas, desde então, apesar da violência contra a mulher ainda ser uma constante no país, não existem dados nacionais atualizados sobre as condenações.
Em 2016, um ano após a lei, a falta de estatísticas ainda não possibilitava mensurar os resultados concretos da legislação.
Além dos casos ocorridos na Bahia, outras condenações foram registradas em Brasília, no Pará e em Santa Catarina, por exemplo.
Apesar do avanço, falta um preparo dos profissionais para reconhecer o feminicídio como um crime diferente do homicídio simples.
“Apesar da obrigatoriedade da lei, a partir de 9 de março de 2015 e de constar no Código Penal Brasileiro, a maioria dos casos continua sendo registrada como crime passional, o que contribui para a impunidade do crime de feminicídio e para a continuidade dos elevados índices de violência contra as mulheres no Brasil”, afirma a professora Lourdes Maria Bandeira, do Departamento de Sociologia da UnB e coordenadora da pesquisa Feminicídio como violência política, do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Mulher (Nepem) da Universidade de Brasília.
A pesquisadora fez uma coleta aleatória de casos de feminicídios em veículos de comunicação e redes sociais desde a promulgação da Lei.
Foram coletadas 635 notícias, distribuídas da seguinte forma: 227 no Centro-Oeste, 170 no Sudeste, 132 no Nordeste, 65 no Norte e 41 no Sul.
Porém, apenas 36% dos crimes contra mulheres noticiados entre março de 2015 e dezembro de 2016 classificam a violência contra a mulher pela sua condição de gênero.
Invisibilidade
Na avaliação de Rosane Borges, professora colaboradora do Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação (Celac) da USP, a falta de contextualização dos crimes como um problema social dificulta a luta contra a violência contra a mulher.
“Quando trata o caso como um problema isolado ou de ordem psicológica a gente tira a responsabilidade da sociedade, do Estado porque na verdade o que está se querendo dizer é que isso acontece ‘não é problema meu’ e atribui a um desvio de um homem numa situação em que se viu fragilizado.”
Ela cita casos em que atos de violência de gênero são relatados como resultado de ciúmes, ou conduta de um “homem apaixonado” ou que não aceita o fim de um relacionamento.
Para a especialista, essa abordagem reforça o imaginário e o senso comum e coloca a mulher numa situação de culpada e não de vítima condizente com a alegação de que o homem matou por legítima defesa. “Não existe mais no Código Penal, mas de certa forma ainda habita o imaginário”, afirmou em entrevista ao HuffPost Brasil.