Saiu no site JORNAL GGN:
Por Camila Sanches Zorlini
Nesse texto procuro entrelaçar as referências bibliográficas às quais fui apresentada no curso de Opinião Pública da FESPSP a um olhar de pesquisadora voltado para as mensagens e imagens da rede social Instagram, usando como base algumas fotografias e depoimentos colhidos em maio de 2017, por meio de hashtags que contemplam o tema Feminismo no Brasil, bem como dados encontrados pela ferramenta gratuita Google Trends,colhidos entre maio de 2014 a maio de 2017. O tema está em voga e me interessa tanto como tema de agenda pública, como de maneira intrínseca.
Introdução
O movimento feminista ganhou força nos últimos anos devido, não somente, mas, também a uma série de casos de abuso propagados vertiginosamente na mídia, além de uma mudança de mindset[2] da sociedade. Aqui estamos falando da sociedade brasileira, porém podemos dizer que a mentalidade mundial passou por uma grande transformação depois do advento da internet e que para as causas no geral, aqui, em específico, o feminismo, criou uma rede exponencialmente potente.
Nesse estudo – dentro de suas limitações – procurou-se analisar como mulheres entendem o movimento feminista doravante a análise de fotografias feitas por usuárias da rede Instagram, sempre a partir do uso de hashtags[3], além de dados colhidos pelo Google Trends, ferramenta do Google que fornece dados das buscas mais frequentes realizadas no mundo todo, focado no Brasil, no período de maio de 2014 até maio de 2017, sobre o tema.
Sobre as hashtags, focaremos em duas específicas que foram tema de campanha nacional que começou com mobilização on-line. Ao longo dos tópicos tentamos compreender também o que mudou de três anos para agora, na questão feminista: quais os temas mais abordados? Quais as maiores mudanças no tom do discurso? Como a imagem feminina foi utilizada no discurso feminista? Que conclusões podemos tirar a partir da codificação de menções e da visão geral em números dos posts relacionados ao tema, que foram localizados entre 2014 e hoje (2017).
1 – Novo Mundo, Velhas Regras
O mundo mudou. O mundo está em constante movimento, e se constrói e reconstrói a cada geração. De acordo com o paleontólogo americano Peter Wand, [4]:
“Nos últimos 10 mil anos, os humanos evoluíram cem vezes mais rápido que em qualquer outro momento desde a separação de nossa linhagem daquela dos ancestrais do chimpanzé”
Somente o advento da tecnologia móvel já seria suficiente para convencer que o mundo está digital e quebrando tabu a cada nova geração. Nesse contexto de empoderamento através da tecnologia, o feminismo ressurge como um discurso mais assertivo, aparecendo com maior frequência no nosso dia a dia.
O movimento, que ganhou força em meados dos anos 60, focou-se inicialmente no direito ao voto e salários igualitários, e continuou questionando as vozes tradicionais da sociedade que impõem às mulheres regras próprias como obrigatoriedade de casamento, filhos e padrão de beleza, por exemplo. Lembrando que nós mulheres fomos engolidas e, porque não dizer, caladas por muitos homens e muitas instituições poderosas, que precisavam/precisam que cumpramos um determinado papel.
Contudo, as mulheres não se acomodaram, permaneceram em luta, apesar de toda discriminação que até hoje sofre o discurso feminista. Atacado por homens e mulheres que reforçam estereótipos distorcidos como “Feminazi”, termo cunhado para criar uma relação entre feminismo e nazismo que é, obviamente, falaciosa. Usando dessa percepção dominante e com viés de ódio, busca-se enfraquecer a causa e desqualificar seus militantes. A sociedade de controle procura manter as feministas (e seu discurso) emudecidas.
Em seu livro, a Ordem do Discurso, Foucault vai ressaltar como na sociedade de controle o discurso é fiscalizado para que cada um cumpra determinado papel e como questionar o discurso dominante é absolutamente castrado.
“(…) O discurso nada mais é do que um jogo, de escritura, no primeiro caso, de leitura, no segundo, de troca, no terceiro, e essa troca, essa leitura e essa escritura jamais põem em jogo senão os signos. O discurso se anula assim, em sua realidade, inscrevendo-se na ordem do significante.” (p.49)
Apesar disso, a sociedade não só vem aceitando melhor o discurso feminista como o está endossando constantemente, principalmente a partir das redes e do chamado “ciberativismo”, como discutiremos mais à diante.
Castells diz, em seu livro a Sociedade em Rede, que estamos em um tipo novo de sociedade, onde:
“Acontecimentos de importância histórica transformaram o cenário social da vida humana. Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias da informação começou a remodelar a base material da sociedade.” (p.39)
Ele abordar a temática das mulheres a partir de sua inserção no mercado de trabalho, “ainda que em condições desiguais”. Ao refletir tal questão vemos que mudamos o jeito como se vive e interage com a cidade. Não queremos mais que mobilidade signifique apenas transporte, mas que atinja tudo que envolva pessoas em relação à cidade. Mobilidade é identidade, pertencimento à cidade. Há um termo para isso, criado recentemente: “cidade torrent” em referência ao programa que baixava filmes de maneira “pirateada”.
A mudança do mindset das cidades impulsionou uma mudança no tom do discurso e na forma como interagimos com os espaços públicos. O reflexo disso foi sentido principalmente no nosso modo de comunicar. Também ficamos mais à vontade e até nos sentimos incentivados (por esse modo de viver e conviver) a falar, trocar e construir juntos. Esse mindset mudou nosso discurso. E nosso discurso moldou nosso posicionamento.
Hannah Arendt se perguntava – como os filósofos gregos: se é possível o Homem estar na polis[5] e fora da política, ao mesmo tempo? Com essa questão em mente, pensemos em como o cidadão pode e é, ou escolhe não ser, ativo em relação a polis, à cidade?
Muitas pessoas são engajadas, com certeza, mas muitas pessoas fogem do discurso engajado. Qual será o motivo dessa fuga? Com essa pergunta, ainda em aberto, pois ela não pode ser respondida sem uma pesquisa, é importante buscar saber como aqueles que se envolvem, que decidem lutar, que querem e devem ter um papel na política, devem se colocar, se posicionar.
Daí o recorte para análise ser as hashtags (derivativo do ‘tag’ no inglês ‘marca’) tomarem tanta importância. Nas redes elas vão separar as pessoas por grupos, mas também uni-las. Ou seja, caso eu adote uma hashtag tal eu posso ser encontrada por pessoas que adotaram essa mesma hashtag, formando assim um grupo. O grupo, historicamente, tem uma força maior que a força individual. As lutas precisam ser lutas de grupo e não de interesses individuais. Ou seja, a internet proporcionou encontros muitas vezes improváveis. E essa é também a minha hipótese, ela revolucionou a maneira de pensarmos as questões e os movimentos sociais.
2 – A linguagem e o discurso feminista
A partir desse empoderamento verdadeiro do discurso, essa “permissão” concebida pelo novo jeito de pensar, as minorias começaram a se expressar e se impor cada vez mais, em maior número, em mais lugares, com um discurso com grande alcance, que já não poderia ser calado ou ignorado. Haja vista a explosão para causas como o movimento LGBT, feminista, movimentos de combate ao racismo, entre outros. Todos criando, muitas vezes, um discurso de parceria e colaboração. Com o tempo, cada movimento foi ganhando mais força, mais adeptos, e passou a ter que escolher porta-vozes focando cada vez mais em suas próprias questões. Isso não enfraqueceu o movimento. Ao contrário, serviu para aprofundamento, para afinar o discurso de forma particular para cada causa.
O movimento feminista entra, então, com suas bandeiras em todos os lugares – a rede e o mundo conectado permitem isso a passos largos, no Instagram, no Twitter. Criaram-se diversas hashtagsde apoio – e de repulsa ao movimento. De acordo com Castells:
“(…) um novo sistema de comunicação que fala cada vez mais uma língua universal digital tanto está promovendo a integração global da produção e distribuição de palavras, sons e imagens de nossa cultura como personalizando-os ao gosto das identidades e humores dos indivíduos.” (p.40)
Embora haja muito para aprofundar e explorar, arriscamo-nos agora em um território de investigação. Baseamo-nos, além das leituras, numa aprofundada busca por essas hashtags no Instagram e tendências, a partir do Google Trends (com auxílio de uma ferramenta de coleta de dados online). Abaixo, veem-se algumas fotos encontradas no Instagram a partir das hashtags: #feminista, #feminismo, #coisademulher, #feminismobrasil. Vamos discuti-las.
2.1 – Instagram
Estas hipóteses, citadas acima, entre as imagens, foram formuladas a partir da análise das fotos encontradas e atreladas às hashtags citadas acima (#feminista, #feminismo, #coisademulher, #feminismobrasil) e com elas se pretende realizar uma análise mais aprofundada, num segundo momento na produção da monografia. Nesta também pretendo aprofundar o tema do feminismo nas redes, recortando principalmente os comentários de ódio feitos em fotos e posts no Facebook e Instagram, mas isso fica para um próximo ensaio. Por hora. o que podemos dizer é que o movimento feminista está se alimentando de uma sociedade que causa sua fricção com discursos opostos, mas também o impulsiona.
2.2 – Twitter
Das hashtags analisadas (lembrando que o filtro foi: mulheres, brasileiras, que escreveram ou postaram fotos no Twitter com legenda e as referidas #s) decidimos focar em duas: #chegadefiufiu #mexeucomumamexeucomtodas.
As duas foram causa de debate popular e fizeram barulho na opinião pública. A primeira (#chegadefiufiu) foi iniciada por um site (na verdade, uma iniciativa) chamado Think Olga, a partir da constatação que os “elogios” e “abordagens” recebidos pelas mulheres, principalmente nas ruas, mas também no ambiente de trabalho, escolas, etc. são um assédio, uma vez que constrange a mulher.
Já o segundo (#mexeucomumamexeucomtodas) foi consequência da repercussão de um caso de estupro. O caso da menina de 16 anos, da zona oeste do Rio de Janeiro, estuprada coletivamente por 37 (!) homens às vésperas das Olimpíadas do Rio 2016. O caso repercutiu internacionalmente e teve consequências. Algumas, infelizmente, chocantes, pois muitas pessoas questionaram se a culpa não era da vítima, insinuando que ela poderia ter “provocado” o incidente.
Observando dados do Google Trends, podemos relacionar os picos que vemos nos gráficos (de junho de 2016 e de outubro de 2016) com casos de estupro coletivo e manifestações realizadas pelo movimento feminista. É relevante compreender como esses casos, que disparam na mídia, podem ser um verdadeiro ímã de mulheres para o movimento, pois atraem muitos olhares.
Empoderamento, afinal[6]
Não é possível prever os rumos que o movimento vai tomar. Entretanto, podemos sempre contextualizar e não esquecer o seu oposto, aquilo que tenta aniquilá-lo. Sempre na esperança do fortalecimento do feminismo, mesmo diante do crescimento do machismo e da misoginia.
Há muitos representantes do machismo com a intenção de diminuir o movimento feminista, como fazem com as mulheres que postam e são encontradas na internet. Os comentários de ódio que tão compartilhados, são reais e presentes no cotidiano das mulheres. Para Castells:
“(…) quando já não existe mais comunicação nem mesmo de forma conflituosa (como seria o caso de lutas sociais ou oposição política) surge uma alienação entre os grupos sociais e indivíduos que passam a considerar o outro um estranho, finalmente uma ameaça.” (p.41)
O autor ainda fala sobre esse tipo de dicotomia que transforma o mundo em dois polos opostos e quais as possíveis consequências. Como exemplo podemos pensar no que estamos vivendo na política brasileira, nesse momento.
A leitura aqui realizada parte de um pressuposto, de um referencial teórico, que pode e deve ser questionada, principalmente porque o debate que busca entender os movimentos nas redes sociais digitais ainda se inicia. O que procurei mostrar foi a atual relação entre o ciberativismo e o feminismo, sempre com a preocupação de contextualizar e trazer, ainda que de maneira sumária, um panorama histórico do movimento. As evidencias são muitas e acredito que o movimento tenha ganhado força nos últimos anos com o avanço da tecnologia móvel e consequentemente da proximidade das pessoas.
Esse curto texto serve apenas como introdução a uma pesquisa muito mais ampla, em desenvolvimento como mencionei acima. A ideia aqui é compartilhar a busca do “fio de Ariadne”[7] para compreender melhor o movimento feminista, em um mundo conectado, e as mudanças que dele decorrerão.
Veja publicação original: Feminismo Online, por Camila Sanches Zorlini