Saiu no site Compromisso e Atitude:
Buscando apoiar profissionais para uma atuação multidisciplinar, integrada e coordenada em que o foco dos serviços seja um amplo e efetivo suporte às mulheres em situação de violência, o Instituto Avon, em parceria com a ONG norte-americana Vital Voices, realiza o 2º Workshop Internacional de Acesso à Justiça do Programa “Respostas Eficazes à Violência Contra as Mulheres” – edição que acontece neste ano em três capitais: Brasília (7 a 11 /05), São Paulo (15 a 15/05) e Fortaleza (12 a 14/06).
Em São Paulo, o evento reuniu dezenas de profissionais que atuam no enfrentamento às violências doméstica e sexual e ao feminicídio para compartilhar conhecimentos, construir aprendizados conjuntos e debater formas de promover ações integradas para efetivar os direitos das mulheres.
Durante o workshop, as organizadoras promoveram um momento de diálogo entre especialistas, jornalistas e participantes, em que foram apresentados e debatidos os dados da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, realizada pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e com o apoio do Instituto Avon e do Consulado do Canadá.
A partir dos dados da pesquisa, pode-se estimar que cerca de 503 mulheres são vítimas de agressões físicas a cada hora no Brasil e que dois a cada três brasileiros (66%) presenciaram uma mulher sendo agredida física ou verbalmente nos últimos doze meses. “O estarrecedor é que a maior parte dos casos são evitáveis, inclusive os feminicídios. Faz muita diferença ter uma política de Estado bem conduzida”, afirma Teresa Cristina Santos, juíza de Direito titular da 2ª Vara Criminal da Comarca de Santo André/SP, especialista convidada pelo Instituto Avon para debater os dados. Na visão da magistrada, se as políticas públicas que transformassem os direitos das mulheres – em especial os já previstos em lei – em realidade no país, teríamos menores índices de violência doméstica e sexual e muitas vidas não seriam perdidas.
A pesquisa foi apresentada pela consultora sênior de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Olaya Hanashiro, que ressaltou o impacto dos recortes etário e racial nos números de vitimização: o infográfico (confira abaixo e acesse aqui a pesquisa na íntegra) mostra que as mulheres jovens e as negras são maioria entre as vítimas de assédio. Revela ainda que entre as mulheres brasileiras que relataram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses, 63% eram negras. “Os números são importantes para pensar qual a política pública mais adequada, monitorar e avaliar seu desenvolvimento”, explicou Olaya Hanashiro.
Discutir gênero e raça é fundamental
Para a juíza Teresa Cristina Santos, os dados da pesquisa reforçam uma avaliação constante entre profissionais que lidam com a violência contra as mulheres: trabalhar com a mudança cultural é fundamental, sobretudo para prevenção. “Quando não podemos problematizar gênero e violência de gênero nas escolas, por exemplo, estamos construindo um obstáculo enorme que inviabiliza a prevenção”, frisou a magistrada.
“Houve uma discussão muito profícua sobre racismo no workshop, que mostrou a dificuldade de acesso à justiça. A política pública está sendo mais voltada, como sempre, para a população branca e não para a população negra. Nós somos um país racista. Por isso a articulação em rede é importante e é importante falar de racismo o tempo inteiro”, acrescentou a juíza, ressaltando a necessidade de se coibir a violência institucional. “Como uma mulher negra vai procurar ajuda por parte de seus algozes, que são exatamente as instituições que recriminam, que discriminam, que fazem parte desse genocídio da população negra que acontece neste país há tanto tempo?”, indagou.
De acordo com Mafoane Odara, coordenadora da área de enfrentamento à violência contra as mulheres do Instituto Avon, a necessidade de debater as raízes racistas, sexistas e machistas das violências mais extremas – como a doméstica, familiar, sexual e o feminicídio – é imposta pela realidade que vivemos, comprovada pelos indicadores apresentados pela pesquisa.
O que as pessoas entendem como empatia é a nossa capacidade de se colocar no lugar do outro, mas no limite isso é impossível, você nunca estará exatamente no lugar do outro. Mas você pode entender quem e o que é você e como o seu lugar impacta o lugar do outro – para mim isso é empatia. No racismo, assim como nas discussões de gênero, precisamos entender quem somos nós na história. No caso de mulheres brancas, entender o que é ser branca em uma sociedade que privilegia esse lugar, assim como precisamos entender o que é ser homem em uma sociedade que privilegia homens. O racismo não é um processo que acontece porque os negros se colocam nessa condição, se existe alguém que é discriminado existe alguém que discrimina. Assim como se faz com as mulheres, há uma culpabilização dos negros e responsabilizamos os negros para sair dessa situação. Às vezes sem se dar conta reproduzimos os processos de violência que estamos buscando combater. E não estamos falando de culpa, mas de responsabilidade. Estamos falando sobre como trabalhar todas as violências simbólicas que fazem com que cheguemos neste lugar. Esta é uma discussão super importante, pois estamos falando de determinantes sociais que são estruturantes no Brasil”, destacou Mafoane Odara.
A coronel Helena Santos, secretária chefe da Casa Militar em São Paulo, também aponta o aspecto cultural perverso por trás da violência contra as mulheres, que precisa ser transformado. “Algumas atitudes, piadas, comportamentos machistas ainda são tolerados e, muitas vezes, a sociedade ainda culpa a mulher”, lamentou.
Trabalho conjunto e com foco na vítima
Diante dos dados da pesquisa e dos debates sobre as raízes discriminatórias e obstáculos que perpetuam à violência contra as mulheres, Daniela Grelin, gerente sênior do Instituto Avon, destacou a importância da atuação conjunta para uma resposta coletiva. “Esse é um problema que perpassa toda a sociedade. Mas 78% dizem que não interferem em briga de casal ou interferem apenas se houver algum tipo de violência extrema. É pela transformação deste estado de coisas que estamos aqui hoje”, afirmou.
Em sentido semelhante, a coronel Helena Santos lembrou que “a integração dos agentes é fundamental para que a mudança se efetive, para a mudança de consciência de homens e mulheres”, reforçou, citando o artigo 8º da Lei Maria da Penha, que prevê um conjunto articulado de ações para a implementação da política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar (veja box ao fim da matéria).
Gerente de programa da Vital Voices, organização responsável pela metodologia do workshop, Nicole Hauspurg reforçou a importância do trabalho multissetorial. “Há rostos e nomes muito reais por trás dos números. Temos que compartilhar o conhecimento que cada um construiu na sua área de atuação e criar condições de trabalharmos juntos”, frisou.
De acordo com Nicole Hauspurg, a Vital Voices já realizou 16 eventos como aquele ao redor do mundo e, apesar de cada país ter uma realidade única, o desafio da violência baseada no gênero é um ponto em comum entre todos. Nesse sentido, considera que o Brasil pode se considerar “sortudo”, por contar com uma das melhores leis de enfrentamento à violência doméstica e familiar – a Lei Maria da Penha –, mas reforçou a importância de que esse marco legal se materialize nas realidades vividas. “A lei precisa cumprir todas as suas promessas”. Para isso, além do trabalho conjunto, a especialista lembra a importância de o foco das políticas públicas e serviços estar sempre na vítima, em sua segurança e empoderamento.
“É importante não presumir o que a vítima precisa, mas sempre perguntar o que ela quer, o que podemos fazer por ela. Temos que seguir perguntando, manter sempre os ouvidos abertos e lembrar que cada vítima é uma nova pessoa, com uma história única”, reforçou a especialista da Vital Voices.
Nesse sentido, as debatedoras destacaram a importância da atuação da Defensoria Pública na defesa e promoção de direitos para as vítimas – uma inovação trazida pela Lei Maria da Penha em seu artigo 28, que afirma: “é garantido a toda mulher em situação de violência doméstica e familiar o acesso aos serviços de Defensoria Pública ou de Assistência Judiciária Gratuita”.
Workshop é ponto de partida
O evento de São Paulo é o segundo dos 3 encontros programados no Brasil em 2017. A primeira cidade a receber o Workshop Internacional de Acesso à Justiça foi Brasília, no Distrito Federal, de 8 a 11 de maio, reunindo participantes de Bahia, Brasília, Ceará, Goiás, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Sergipe. Nesses quatro dias, as/os participantes dialogaram especialmente sobre a violência doméstica, o feminicídio e a violência sexual, trocando experiências entre os estados e os setores da rede de atendimento. Depois da capital paulista, o evento segue para Fortaleza/CE, onde acontecerá de 12 a 14 de junho.
Para Nicole, o importante é que o fim do workshop represente na verdade um começo – ou seja, que as ações e articulações construídas durante o evento sejam levadas para o dia a dia dos profissionais que atuam no enfrentamento às violências contra as mulheres.
De acordo com informações da assessoria do Instituto Avon, os workshops têm como objetivo desenvolver e aprimorar estratégias e planos de ação coordenados para superar os desafios enfrentados na denúncia, investigação e resolutividade de casos de violência contra as mulheres no Brasil. Partindo de uma abordagem focada nos direitos humanos, os participantes serão estimulados a aprimorar seus conhecimentos sobre as necessidades e segurança das vítimas e promover ações articuladas.
Cada workshop conta com 50 a 60 participantes – agentes públicos, policiais, membros do Ministério Público e da Defensorias Pública, magistrados federais e estaduais, psicólogas/os, assistentes sociais e representantes de organizações da sociedade civil, bem como de órgãos governamentais que atuam na defesa de direitos das mulheres. Além dos profissionais da Vital Voices, diversas especialistas brasileiras também são responsáveis pelo treinamento, atuando como facilitadoras nos debates e atividades que acontecem – são profissionais especializados, que atuam na rede de serviços com casos de violência doméstica e sexual.
O Instituto Avon é uma das empresas que apoiam a Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha (saiba mais).
Artigo 8º da Lei Maria da Penha: medidas integradasArt. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I – a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação; II – a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas; III – o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal; IV – a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher; V – a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres; VI – a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher; VII – a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia; VIII – a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia; IX – o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. |
Débora Prado com colaboração de Marilía Kayano
Portal Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha
Publicação Original: Workshop propõe articulação entre profissionais e foco nas vítimas para respostas eficazes à violência contra as mulheres