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Veja publicação original: ‘Mulheres Radicais’ expõe força da arte feminina da América Latina
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Por Camila Alam
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Nova mostra na Pinacoteca do Estado de São Paulo reúne 120 artistas com legado global
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Em uma manhã de domingo, de céu azul e temperatura fria, começa a se formar uma fila na bilheteria da Pinacoteca do Estado de São Paulo. É o fim de semana de abertura da mostra Mulheres Radicais: Arte latino-americana, 1960-1985 e o museu está movimentado.
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No primeiro andar do prédio, sete salas reúnem um recorte especial da arte criada por 120 artistas latinas e chicanas (americanas de origem latina) durante o século passado. São muitas obras inéditas, unidas a outras pertencentes ao acervo da Pinacoteca, sob temas como autorretrato, corpo, medo e papéis sociais.
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Juntas, as mais de 250 peças formam uma exposição de peso no Brasil, o único país latino a abrigar a mostra depois de sua passagem pelo Hammer Museum, de Los Angeles, e o Brooklyn Museum, de Nova York.
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Além do ineditismo, os trabalhos expostos em fotografia, vídeo, pintura e outros suportes atraem por reunir coragem e força. “‘Mulheres radicais’ significa muitas coisas”, diz a pesquisadora ítalo-argentina Andrea Giunta, que divide a curadoria com a venezuelana-britânica Cecilia Fajardo-Hill, em colaboração com Valeria Piccoli, curadora-chefe da Pinacoteca.
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“Para mim, elas são radicais, porque experimentaram e contribuíram para mudar as linguagens da arte. Elas não vieram depois dos artistas homens, mas ao mesmo tempo. Levaram o corpo ao limite e trabalharam, em muitos casos, em contextos perigosos. Isso não é fácil, especialmente quando se está sob ditadura.”
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Durante o período que a mostra enfatiza, de 1960 a 1985, muitos dos países latinos viviam sob regime ditatorial. Em uma das salas da exposição, nomeada “Resistência e Medo”, artistas como as brasileiras Regina Silveira e Anna Maria Maiolino, a colombiana María Evalia Marmolejo e a argentina Diana Dowek abordam a violência dos períodos opressivos, trazendo imagens que tratam de desaparecimento, tortura, censura e repressão.
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Passeando pela sala, a visitante Ana Paula Franzoia, jornalista de 52 anos, reconhece a semelhança entre os períodos e as culturas. “É legal perceber, pela linha do tempo, como as coisas que aconteceram são tão similares. As mulheres da América Latina passaram por quase as mesmas coisas em épocas parecidas”, observa. “Aqui, a gente se dá conta de como conhecemos pouco a produção feminina”, completa.
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De fato, por muito tempo as mulheres artistas foram pouco ou quase nunca catalogadas na história da arte. Hoje, percebe-se um trabalho de resgate de diversas produções. Ao preencher esse vácuo, torna-se cada vez mais perceptível que muitas destas artistas excluídas ou estereotipadas são, na verdade, visionárias em sua época, exercendo papel fundamental na criação de linguagens.
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Por vezes, são pouco lembradas pelos livros e grandes exibições, e muito menos pelo grande público. A clara tentativa de reafirmar essas posições traz à luz nomes desconhecidos ou coloca outros em seu devido lugar.
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A própria Pinacoteca recebeu nos últimos anos algumas mostras que trabalham esse resgate, como a Mulheres Artistas: As pioneiras (2015) e, mais recentemente, a individual da artista sueca precursora do abstracionismo, Hilma af Klint.
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O teor político e de militância permeia toda a exibição. Ao tratar da emancipação do corpo feminino ou dos lugares sociais onde a mulher estava inserida naquele contexto histórico, as obras trazem naturalmente o questionamento à tona.
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Apesar disso, engana-se quem acredita que o olhar pairava sob o mesmo horizonte. “O que achei mais interessante de ver aqui é que muitas artistas não se consideram feministas, mas a exposição é superfeminista”, observa a atriz Maria Cândida Portugal, de 22 anos, que visita a mostra com o namorado.
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“O feminismo carrega essa maneira de falar sobre as opressões, sobre a violência, sobre a falta de oportunidade, a sexualidade, a sexualização das mulheres. E isso está tudo aqui, falado por mulheres que não se consideram feministas.”
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Na verdade, existe uma pequena parte da mostra intitulada Feminismos, e a curadora explica o porquê. “Muitas delas dizem que não querem ser classificadas como mulher artista. Dizem: ‘sou artista’. Respeitamos isso.
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Para ser uma artista feminista ou para ser uma pesquisadora e curadora feminista, que é o que eu sou, é preciso se identificar com isso, é preciso dizer. É um posicionamento na vida”, diz. “Não podemos dizer isso de uma artista que não tem essa identificação.”
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Assim sendo, os temas da exibição vão levando os visitantes a universos distintos, mas que possuem algo em comum: a necessidade de expor vozes que, muitas vezes, e até hoje, se encontram reprimidas. Na sala Mapeando o Corpo, vemos trabalhos que explicitam temas velados, como a menstruação e a masturbação.
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A produtora cultural Tânia Mills, de 64 anos, visita a mostra com mais duas amigas e entende que, às vezes, as obras causam certo estranhamento. “Esta sala que fala da sexualidade, da menstruação, tem umas fotos que nos assustam um pouco.”
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Se a revelação do sangue menstrual pode gerar aversão, a sua exibição também pode ser libertadora. “Aqui vejo a representação da mulher em várias situações que geralmente a gente não vê. E isso é muito forte.”
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Força é a palavra que vem à mente durante a visitação de Mulheres Radicais. Uma força de enfrentamento, de luta contra opressões culturais e políticas. Mas também de demonstrações de afeto, afirmação, colaboração.
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Maria Cândida deixa a mostra depois de passear pelas salas e conclui: “Olha a quantidade de mulheres que tem aqui. É muito bonito vê-las todas reunidas. Faz pensar que, se a gente está perdida, podemos nos ajudar. Vamos segurar na mão da outra e vamos juntas. Isso aqui é muito forte, é uma mensagem de poder”.
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