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2017 foi marcado pela intolerância; especialistas temem repetição em 2018

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Por meio de discursos do ódio, aversão às diferenças e desrespeito aos direitos humanos, a intolerância imperou no Brasil e no mundo

Por Juliana Cipriani, do Em

 

Carlos Magno, conselheiro nacional de direitos humanos e secretário da ABGLT, espera tempos melhores(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

 

 

Racismo, injúria, homofobia, xenofobia, assédio e censura às artes. O ano de 2017 ficará marcado por discursos de ódio e desrespeito às diferenças tanto no Brasil como pelo mundo afora. Seja em razão do aumento do número de casos de agressão, seja devido a um maior visibilidade deles, a intolerância explodiu. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, o uso das redes sociais e o contexto em que as minorias ganharam mais espaço contribuíram para a exacerbação dos ânimos e opiniões conflitantes. Por mais que esse clima tenha assustado alguns, a tendência é de que as ações e reações continuem fortes em 2018.

 

 

O país sofreu um choque ao ver Titi, a filha do casal de atores Bruno Gagliasso e Giovana Ewbank, ser atacada na internet por preconceito racial. Também nos assustamos com a decisão de um juiz permitindo o tratamento da cura gay e com os protestos que se multiplicaram pelo Brasil taxando obras de arte de estimular a pedofilia. No mundo, o assédio que agrediu mulheres durante anos e foi descortinado pelas denúncias de atrizes em Hollywood. Com o governo de Donald Trump nos Estados Unidos, ganhou força a intolerância aos povos, ante a proibição de entrada de muçulmanos no país e os ataques aos mexicanos.

 

 

A explicação para tantos retrocessos pode estar num fenômeno conhecido como “backlash”. Trata-se de um conceito que explica a atração entre os extremos. Quando existe algum tipo de progresso, normalmente existe uma onda contrária. “Nos últimos anos as ações feministas, LGBTQI e anti-racistas, entre outras, têm sido amplificadas e o backlash acontece. Isso ocorre combinado a uma situação econômica difícil, capaz de fazer com que certos segmentos da população, que antes se sentiam mais poderosos e agora começam a perder espaço para uma sociedade mais igualitária, tentam recuperar a posição que tinham antes”, explica a cientista política Larissa Peixoto Gomes. Para ela, a intolerância é um fenômeno global, que atinge vários países, se concretizando, por exemplo, na eleição de Donald Trump e na saída do Reino Unido da União Europeia.

 

 

A socióloga Daniele Cireno Fernandes também acredita que as maiorias estejam se sentindo agredidas e ameaçadas. “Ontem eles podiam chamar uma pessoa de mulata gostosa e hoje não podem mais passar na rua e chamar alguém de viado. As reservas de vagas, para eles, estão tirando suas vagas, é uma reação de raiva mesmo”, avalia. Para a especialista, as redes sociais contribuem para esse clima. “É onde você cria sua própria comunidade virtual e exclui pessoas que pensam diferente. Isso estimula muito as atitudes extremistas”, diz.

 

 

O conselheiro nacional de direitos humanos e secretário de formação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), Carlos Magno, diz que a intolerância tem muito a ver com o momento político por que passa o Brasil. “Houve uma ruptura democrática com o golpe (impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) e, com isso, uma espécie de autorização para que emergissem todas as forças conservadoras. A disputa política construiu um ódio muito grande e ajudou a fazer surgir esse fascismo, porque a intolerância é uma prática fascista”, disse.

 

 

Carlos Magno espera tempos melhores em 2018, especialmente depois das eleições, mas a opinião de sociólogos e cientistas políticos não é tão otimista. A cientista política Larissa Gomes está convencida de que a amplificação das lutas sociais e políticas tende a permanecer no mundo on-line e no offline. “Ainda estamos discutindo pontos como as consequências da escravidão e da exclusão da mulher na política. Há muita coisa para extravasar e consertar”, disse.

 

 

Para o sociólogo Luiz Alberto Oliveira Gonçalves, a intolerância ficou mais evidente em 2017 e deve ficar cada vez mais visível.

 

 

“A intolerância já está em um nível altíssimo e, para mim, já tinha de ter nos assustado há muito tempo. O que me assusta é a gente se acostumar com isso, achar que é natural. Tenho visto pouca reação”, disse. O sociólogo afirma que é preciso ficar mais atento e crítico aos movimentos que estão surgindo e trabalhar para construir uma sociedade onde as pessoas possam dialogar.

 

 

O mestre em ciência política Lucas Cunha também acredita que o clima seja de continuidade nessa polarização de opiniões, principalmente na campanha eleitoral. “Acredito que deve haver uma agudização no ano que vem dessa polarização, que agora não está mais no plano dos partidos, mas tende a ocorrer com outros elementos. A gente tem por exemplo um debate no Brasil sobre os direitos que estão sendo violados, como os trabalhistas e os previdenciários, nessas propostas do governo, e até outros que ainda nem foram consolidados, como o de moradia. Essa pauta deve nortear a decisão do eleitor”, afirmou.

 

 

Calendário de ataques

 

 

1) Racismo e injúria
No fim de novembro, uma socialite ofendeu Titi, filha dos atores Bruno Gagliasso e Giovana Ewbank, chamando-a de macaca. O caso foi denunciado pelos pais da menina à polícia e gerou grande comoção nacional. No mesmo mês, a atriz Taís Araújo havia contado que já viu muita gente mudar de calçada para evitar seu filho negro e anônimo.

 

 

2) Homofobia
Em setembro, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho autorizou psicólogos a realizarem o procedimento da cura gay, com vistas a auxiliar os homossexuais a mudar sua orientação com a terapia de reversão sexual. O caso gerou várias reações de famosos e anônimos nas redes sociais.

 

 

3) Xenofobia
O presidente Donald Trump anunciou a criação de um muro para impedir os mexicanos de entrar nos Estados Unidos, alegando que eles levam drogas e estupradores ao seu país. Em junho, deu ordem para impedir cidadãos do Irã, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iémen de ingressar em solo americano. Refugiados de países não cristãos também sofreram a restrição.

 

 

4) Assédio
No Brasil, as mulheres se uniram em abril na campanha Mexeu com uma mexeu com todas em resposta ao assédio praticado pelo ator José Mayer a uma camareira. Em outubro, foi a vez das atrizes de Hollywood denunciarem o produtor Harvey Weinstein pela violência contra as mulheres. O ator Kevin Spacey também foi punido perdendo o papel de protagonista na série House of Cards por ter assediado rapazes. No Brasil, houve uma onda de homens ejaculando em mulheres em ônibus. Somente após pressão popular eles foram presos.

 

 

5) Censura às artes
Em setembro, a mostra Queermuseu foi cancelada em Porto Alegre sob acusação de conter cenas de pedofilia e zoofilia. Outra mostra condenada foi a que trouxe uma interação entre um homem nu e uma criança no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo. Em uma audiência pública na Câmara, um deputado provocou confusão ao dizer que gostaria de ver a mãe do ministro da Cultura, Sérgio Leitão, exposta com as pernas abertas.

 

 

6) Intolerância religiosa
Em novembro, um atirador usou um rifle para disparar sobre fiéis em uma igreja batista no Texas, matando 26 pessoas e deixando outras 20 feridas. Na última sexta-feira, um homem matou ao menos nove pessoas e feriu outras seis em uma igreja cristã do Cairo, no Egito. O atentado foi assumido pelo Estado Islâmico.

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